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Alexandre Paiva // Duda Oliveira // Evandro Prado // Guilherme Gafi // Marcia Porto // Marlene Stamm // Yara Dewachter

Aluga-se Pagou-Levou

Texto: Thais Rivitti

“Aluga-se” – a frase é um exemplo clássico de sujeito indeterminado quando se estuda gramática. Essa indefinição de autoria dá o tom da exposição “Aluga-se in Rio”. Embora os trabalhos que estejam expostos em sejam bastante singulares e possamos identificar neles diversas autorias, eles estão unidos por um nome que os despersonaliza, que privilegia o conjunto, em detrimento do particular. Nessa exposição, a autoria coletiva e individual entram em disputa, rivalizam, alternamse. Ora somos tentados a ver os trabalhos separadamente, ora observamos a ação de um grupo coeso – e o grupo, nesse caso, é maior do que a soma de seus elementos, pois os trabalhos juntos, assim dispostos, constituem um outro discurso, mais amplo, direcionado ao circuito da arte.

 

Como intervenção no circuito, a ideia de transitoriedade expressa no nome do grupo, “Aluga-se”, é essencial. O aluguel é um contrato temporário que permite que alguém se instale, permaneça, habite determinado lugar, sempre por um período de tempo limitado. A duração de um contrato, de um acordo, de uma exposição. O lugar da arte hoje assemelha-se inevitavelmente ao lugar ocupado por todos os que moram nas grande metrópoles como Rio de Janeiro ou São Paulo. É cambiante e instável, não permite enraizamentos profundos como a vida de outrora, talvez, propiciasse.

 

Mas o que, afinal, está para alugar? Uma parede toda da galeria foi deixada em branco, desocupada, como se estivesse ainda em montagem, embora a exposição já esteja aberta. Mesmo com uma parede inteira ociosa, não há vagas. Não há vagas para outros trabalhos e artistas. “Sinto muito, mas já estamos fechados”. Essa parede nua não é silenciosa e neutra. Ao contrário, ela sozinha faz uma análise do circuito de arte, no qual não parece faltar espaço, mas sim oportunidades. Tal como os imóveis desocupados, que não cumprem nenhuma função social, servindo apenas para a especulação imobiliária (imóveis que aguardam, fechados, sua valorização financeira) a parede revela: é necessário haver muito mais artistas no mundo do que o número que pode ser abarcado pelo mercado. Essa parede em branco poderia se chamar, num marxismo para lá de torto, “exército de reserva”, em homenagem a todos os artistas sem galeria ou sem espaço no circuito.

Tomando a exposição inversamente, pelas singularidades que os trabalhos apresentam, poderíamos começar com as obras de Márcia Porto. Suas aquarelas mostram bem a junção entre o indivíduo e o coletivo, entre o público e o privado: uma mulher deixando suas marcas (seu sangue, seu cabelo, suas vísceras) pela cidade. O trabalho, também em aquarela, de Duda Oliveira vai pelo mesmo caminho: não sem ironia, comenta a interação das pessoas nas redes sociais, assunto que têm suscitado cada vez mais reflexões sobre os limites de exposição da vida privada publicamente.

 

Nos trabalhos de Guilherme Gafi, Alexandre Paiva e Yara Dewachter a temática central é urbana e cosmopolita. Entretanto, nos três artistas, entrevemos também traços de uma vida doméstica mais íntima. Nos trabalhos de Alexandre a paisagem da cidade é retratada com um tracejado irregular que confere à imagem certa imaterialidade pulsante. O efeito é obtido graças ao uso da costura, essa técnica antiga e bastante artesanal. Do mesmo modo, os materiais ordinários das colagens de Guilherme – as fitas marrons para embalagem que integram as pinturas e as sobras de madeira que se transformam em moldura – guardam algo do improviso daquilo que é feito em casa. No caso de Yara, a pequena cena construída pela artista com bonecos, foto e madeira remete ao universo infantil  da brincadeira e do faz de conta ao mesmo tempo em que a opção pelo kitsch, nos desenhos, também nos informa sobre um gosto médio, duvidoso, e uma visão decorativa da arte.

As pinturas de Evandro Prado evocam o passado para falar do presente, elegendo como objetos privilegiados ossos, caveiras e objetos religiosos. A tematização da passagem do tempo, em seus trabalhos colocam em evidência a discrepância entre o tempo histórico e o tempo de uma vida humana singular. Ainda sobre o tempo, poderíamos falar das delicadas aquarelas de Marlene Stamm que marcam a passagem do tempo de forma ao mesmo tempo objetiva e pessoal. Nelas, esboça-se uma tensão entre percepções sutis, íntimas, e o tempo real da queima de um fósforo ou do caminho da sombra em um relógio de sol.

 

As oscilações entre experiências pessoais e experiências compartilhadas socialmente dá a tônica da primeira exposição do grupo Aluga-se no Rio de Janeiro. Além de ser uma questão cara a todos os artistas da exposição, ela está no cerne da própria criação do grupo: uma tentativa de articular poéticas próprias com pensamento crítico coletivo.

Thais Rivitti, dezembro 2014

 

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